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CRÓNICAS DE ESCÁRNIO, FRUSTRAÇÃO E MEDIOCRIDADE – Encostado a um canto

Março 22, 2011

Quem canta flor bela espanta e, provavelmente, sente agudizados os males.

 

Se verbalizasse como os humanos, flor bela jamais quereria que eu cantasse. Concordo. Não tenho a pretensão de cantar “até que a voz me doa” porque me falece a voz e canto não sai. Também vós falecereis. Que importa?

 

Não canta quem pensa que tem uma vez um cantinho nem escreve quem tem uma pena do tamanho das dos pavões. Escreve quem sabe. Eu considero-me aprendiz, perdoe-se-me a imodéstia. Faz-me bem ao ego pensar que sou aprendiz.

 

É que, não raras vezes, as palavras traem-nos; são ariscas, voláteis, etéreas. Muitas vezes eu, auto-considerado aprendiz, sinto-me gozado por elas. Há minutos, por exemplo, ouvi alguém aconselhar:

 

– Encoste-se p’ra trás e oiça a próxima melodia.

 

Numa primeira abordagem dir-se-ia que o verbo ‘encostar’ busca a sua génese no nome ‘costas’; logo, enveredando por um raciocínio rectilíneo, alguém que opte por encostar-se, só poderia ser para trás.

 

A lógica das palavras, porém, é como a lógica da vida: não tem lógica nenhuma.

 

Encostei-lhe alarvemente a palma da mão ao seio e experimentei a sensação de que ela suspirou”. Nesta frase não existe a mais pálida ideia de ‘costas’, ‘rectaguarda’, ‘parte traseira’.

 

Como verificam, até de frente as palavras gozam connosco. Se fossem só as palavras…

 

 

Acto contínuo, recebi um sonoríssimo tabefe. O sangue jorrou-me do nariz, e por entre os quadradinhos que as lágrimas vertidas pela dor que senti me permitiram descortinar, vi-a de rosto aflito.

 

– Valha-me minha nossa, ó Prudêncio! E logo tu, um gajo tão equilibrado, pensava eu, a virar apalpador. – Vociferava o chefe Sousa enquanto me passava para a mão um toalhete e me aconselhava a virar o nariz para o ar na esperança de que o sangue estancasse.

 

– Ó chefe, Cristo também teve tentações. E há, até, quem defenda que Santo Agostinho foi um devasso durante grande parte da sua vida.

 

– Ó Prudêncio, por amor ao Criador, tu não me coites, porra! Não me venhas cá com a pretensão de que, na hierarquia, a seguir a Cristo e a Santo Agostinho, o melhor que se pode arranjar para a fotografia és tu. Pelo andar da carruagem, um dia destes, quando encarar com o quadro da Última Ceia que a minha esposa comprou numa loja de chineses, ainda te lá vou descobrir no papel de Maria Madalena. Poupa-me, porra!

 

O sabor a sangue que me ia escorrendo pele garganta impediu-me de continuar tão interessante e culto diálogo. O restante pessoal riu despudoradamente e eu não tive outro remédio senão encostar-me a um canto.



CRÓNICAS DE ESCÁRNIO, FRUSTRAÇÃO E MEDIOCRIDADE – Pedradas

Março 22, 2011

1. Alvoroçadas, as árvores rumorejam. Um não sei quê vindo de não sei onde zurze-me, inclemente, o toutiço. Acabo por tropeçar nas palavras, o que é benéfico na medida em que sou forçado a parar para pensar. Tenho a noção clara (?) de que são pensamentos mal atamancados, mas é o que, de momento, se pode arranjar. Ignorá-los é remédio santo!

 

Esvoaçante que nem pássaro aprendiz passa um saco de plástico puxado a vento veloz. Parece vela latina rumo a Luanda. Ah, Luanda!… Agora enfunou simulando ventre jovem e grávido.

 

Urge que redescubra o vazio. Só ele me pode valer remando comigo para o nascente, por exemplo, que o sol há muito se pôs.

 

 

E enquanto lá não chego, vejo a Vanda passar… como o faroleiro, conto ventagem. Sobra-me essa vantagem.

 

 

2. “Morrer, sim, mas devagar”, dizia o pobre menino rico chamado Sebastião naquela triste jornada de Alcácer-Quibir. Pobre mimoso menino mimado e rico. Há quem diga que a vida é injusta. Essas são as justas dos vencidos. Sebastião não!… Venceu?…Essa é uma factura que estará sempre por nossa conta, e desconfio que nunca a pagaremos (ou: nunca a apagaremos?), coisa que chateia mais do que irrita.

 

 

Sim, e logo eu, que me irrito por dá cá aquela palha, mas que raramente me chateio. Em quase quinhentos anos, já houve espaço suficiente para que a chatice me tivesse passado… como se se tratasse de cristãos e muçulmanos, uns chatos e outros irritadiços, ou vice-versa. Criador há só um. Chamem-lhe o que melhor vos servir, embora deva desde já avisar-vos que o Criador não serve ninguém. Por mim, estou-me nas tintas e Ele sabe. Ele sabe a que tintas me refiro. As tintas que uso não são mortíferas e apenas podem ferir susceptibilidades.

 

Os ferimentos que as minhas tintas eventualmente originam são de índole senso-epidérmica: apenas fazem cócegas onde as balas esburacam; apenas roçam onde os obuses destroem; apenas deslizam onde as bombas matam.

 

De onde se conclui que eu não sou para levar a sério. Eternamente criança! Nem imaginam como isso me traz feliz. É como se se tratasse de potro resfolegante rebolando-se em erva fresca, cheirosa, macia.

 

Chatice mesmo, é que às vezes o nevoeiro aparece.

 

 

3. Saio do comboio em Viana, após longas horas de viagem desde Santa Apolónia e com paragem em tudo quanto é sítio. Transbordo em Campanhã. A velhinha ponte de D. Maria lá aguentou as toneladas de ferro andante, embora em Gaia um grupo dos mais tementes tivesse preferido apear-se e seguir para a Invicta e Mui Nobre de táxi. Nada contra. Finar-nos-emos todos e a ponte lá continuará!

 

De resto, ser imortal deve ser uma chatice do caraças. Eu jamais desejaria tal estatuto para a minha pessoa. Permitam-me a humildade, ainda que reconheça que, para quem não me conhece minimamente, este tipo de discurso possa soar a falsa modéstia. Importa?

 

O planeta desloca-se no espaço durante o período que medeia entre o Natal e o Ano Novo de 78. Faz frio intenso e chove copiosamente. Tenho um primo que afirma que Viana é o penico do céu. Quando pus pé no estribo verifiquei que o agasalho que trouxe era curto. Que interessa! Um tipo que ainda não fez trinta anos é capaz de enfrentar isto, dizia um dos meus eus de cariz mais positivo para outro de veia mais tropical. Apesar do nevoeiro.

 

Desci a avenida que nasce no largo dos caminhos de ferro em direcção ao rio, um corredor aberto por onde o vento forte penetra varrendo ferozmente as folhas caídas dos plátanos. A meio da pedestre deslocação, entrei na camioneta do Cura, Lda., cujo motor ronronava, a modos que cansado. O Lingras, filho da Sarameleiro, era o cobrador. Nesse tempo ainda havia cobradores nos autocarros, lembram-se?

 

Ocupei o meu lugar a meio do veículo, atrás de duas senhoras do povo vestidas de negro e com lenço a proteger-lhes a cabeça. Conversavam em tom baixo e grave. A princípio nem me apercebi acerca do assunto sobre o qual trocavam impressões. Quando o Lingras se aproximou para obliterar o meu título de transporte, olhou para mim fixamente durante alguns curtos instantes, mas, se me reconheceu, e eu penso que sim, não o manifestou. Por qualquer motivo que ainda hoje me escapa, também não me identifiquei.

 

Um pouco antes de Serreleis, cansado de ver tanta chuva e tanto vento fustigando os campos que marginavam a estrada, encostei a cabeça ao vidro e fechei os olhos.

 

– Na verdade, meu, – zurzia o tal eu tropical para o outro – apesar dessa tua mania de eterna juventude, o facto é que estás cansado.

– ‘Tá bem, pá! Então, deixa-me descansar descansado.

 

– Uma desgrácia! – Dizia uma das senhoras do banco da frente para a outra – À Maria da Luz, coitada, que lebaba porrada do home todos os dias, agora aconteceu-le isto, beija lá! O home apareceu morto na corte das bacas, e logo no dia de Natal. Que desgrácia!

 

Por momentos, as senhoras calaram-se. Não abri os olhos. Só se ouvia o ruido do motor, que abafava o do vento e o da chuva. De repente, um daqueles meus eus que age sem reflectir, comentou em alta voz:

 

– A senhora acha mesmo que se tratou de uma desgraça?

 

Daí p’ra cá, alguma coisa mudou. Mudou?

 

Como a mulher feia à janela, vejo a banda passar. Não toca p’ra mim, mas também não toca p’ra ela. E até devia. Mulher feia também merece!

 

 

 

4. Leio que a economia do país está no bom caminho. Congratulo-me. Mais adiante, todavia, constato que o endividamento das famílias portuguesas continua a subir vertiginosamente e que, em média, um ano de salários não chegaria para saldá-las; que a inflação voltou a subir e, segundo o Banco Mundial, a tendência é para continuar; que a pobreza, mesmo a escondida, se expande; que o desemprego atingiu números nunca antes registados.

 

Afinal, o que é o ‘bom caminho’ da economia? Os ricos estão cada vez mais ricos. Se este é o bom caminho que a economia do país trilha, então…

 

Eu, ingénuo, que pensava que um país é tanto mais desenvolvido e próspero quanto mais independentes e cultas são as pessoas que nele habitam. Vejam bem! Valha-me um qualquer santo que por aí circule, que eu já nem me atrevo a escolher… ‘bai-se a ber, é do neboeiro’.

 

 

5. Se eu tivesse lavadeira, como tinha o Fernando Pessoa, também era capaz de me propor casar com a filha dela. Assim, limito-me a fumar este pretensioso cigarro que mata, como se não morrêssemos todos. Que chatice!

 

Todos nós temos uma conta corrente com a vida, mesmo que isso nunca vos tenha ocorrido. Pela parte que me toca, o meu deve-haver com a vida salda-se por uma conta calada que terei que liquidar, mais dia, menos dia. É assunto que não me tira o sono pois a vida é uma credora muitíssimo paciente e compreensiva.

 

Todavia, se eu fosse a lavadeira do Fernando Pessoa não quereria que a minha filha o desposasse, não por causa do ‘pensativo cigarro’ mas por causa da pessoa em si. Pessoa era um sorumbático! A minha filha seria alegre, jovial, cheia de vida. Absolutamente, uma diferente pessoa! E, provavelmente, também seria fumadora.

 

Dizem-me que tenho que arredar de cima da mesa a papelada, pois é chegada a hora do almoço. Um caldo verde, uns pastelinhos de bacalhau com arroz de feijão malandrinho, fruta da época, gelado de chocolate com baunilha… prometo-vos que hoje não vou fumar charuto.

 

De barriga cheia, toda a ignorância é santa!… Mais grave: pacífica!

CURSO INTENSIVO DE TRETAS DE MERDA – O Subsídio.

Fevereiro 13, 2011

 

Qualquer coincidência com a semelhança

é pura irrealidade.

Mas, neste país, também existe a realidade.

 

De um momento para o outro, como tantas vezes acontece no mundo em que hoje chafurdamos, Madaleno Amélia ( com um nome destes, os pais não deviam ter gostado nada que ele tivesse visto a luz do dia), quarenta e nove anos há pouco completados, alto, magro, quase escanzelado, louco pelo seu ‘Vitórria’, equipa com a qual viajava por todo o país, solteirão, viu-se despejado para o caixote do desemprego.

 

A empresa onde trabalhara, de capitais nipónicos, encerrara as portas quase de repente, deslocando ‘armas e bagagens’ para o Leste Europeu, mercado mais apetecível por causa da mão-de-obra mais barata e leis do trabalho mais favoráveis ao patronato. Pelo menos, era isso que ele pensava.

 

Apesar da idade, porém, e dada a sua especialidade – técnico de frio – não entrou em pânico ou, sequer, em depressão, pois cria que, mesmo que não arranjasse um novo emprego “estável” noutra firma, os seus conhecimentos permitir-lhe-iam fazer uns biscates a domicílio e, com isso, ganhar, até, mais dinheiro… quem sabe.

 

É verdade que tinha um primo em Luanda, sócio de uma empresa de restauração, que todos os anos, quando vinha ao ‘Puto’ (expressão que lhe ficou da Guerra Colonial para designar Portugal) o desafiava para ir trabalhar em África. Mas África nunca o atraíra, embora não soubesse explicar porquê.

 

Pelo menos – tentava animar-se –se as coisas correrem menos bem, aos cinquenta e oito reformo-me e, até lá, com os cobres que amealhei, com o pequeno pé de meia que os pais me deixaram, bem como a casa, hei-de sobreviver sem grandes sobressaltos, ora essa!

 

Dirigiu-se ao Centro de Emprego da sua área de residência (aquilo pareceu-lhe mais um centro de desemprego, mas ‘tá bem), como mandam os actuais cânones, tendo na sua posse a documentação adequada, que apresentou à funcionária que o atendeu em gabinete próprio, que tresandava a tabaco. Por entre baforadas e ataques de tosse, colocou-lhe um naipe de questões que deviam fazer parte de um formulário-tipo, porque imediatamente inscrevia as respostas no computador, findo o que lhe entregou outro documento que fazia prova do seu estádio de desempregado, a ser canalizado para a Segurança Social, para onde se encaminhou logo depois.

 

No caminho, ainda meio zonzo por ter sido obrigado a respirar aquele ar altamente poluido, deu consigo a pensar como era possível as pessoas sofrerem tanto com o consumo do tabaco e, no entanto, persistirem na asneira. Deus deve ter-se ausentado deste planeta – balbuciou para si mesmo. Tal como para o casamento, tal como para África, nunca se sentira atraído por cigarros e quejandos. Trabalho e futebol eram quase tudo na sua vida.

 

Na Segurança Social foi atendido por outra funcionária que o despachou em três tempos. As coisas correram tão bem que logo no mês imediato começou a receber o subsídio. Afinal – comentava de si para consigo à saída da caixa de multibanco de onde retirara o extracto que lhe confirmava o depósito do subsídio – a burocracia portuguesa, ao invés do que para aí propalam cães e gatos, funciona muito bem!

 

Reparem no pormenor da frase anterior; estive quase para escrever “de onde extraíra o extracto”. É engraçado porque, se um extracto constitui algo já extraído, como seria possível extraír uma coisa que, como a pescada, já o era? E, no entanto, extraiu mesmo!

 

Não correu muito de feição a sua crença na prestação de serviços a domicílio, ainda que tivesse mandado imprimir cartões com o seu nome disfarçado, não só por causa do fisco, mas também devido ao nome. Quem é que iria requisitar os serviços de alguém chamado Madaleno Amélia?

 

Ele próprio os distribuira pelas caixas de correio da cidade e até botara anúncio no jornal local, mas as pessoas, agora, mal têm uma avaria, deitam fora e compram novo. Com tanta oferta!…

 

Deixou de poder acompanhar o seu ‘Vitórria’ tantas vezes quantas anteriormente e até o digestivo que tomava após o almoço foi obrigado a permanecer mais tempo nas prateleiras do supermercado. Não devia nada a ninguém, é certo, mas também não queria ficar a dever. E também não pretendia mexer nas parcas patacas que possuia na conta a prazo.

 

O primo de Luanda, um benfiquista de ficar doente até com empates, quanto mais com derrotas, surgiu-lhe pela proa justamente no dia da final da Taça de Portugal da época de 2005, entre, precisamente, o Benfica e o Setúbal, acenando ao primo ‘tuga’ com dois bilhetes de bancada central. Foram ao Estádio Nacional, claro, onde o Benfica se viu derrotado, para enorme desgosto do primo e seu gáudio. Dali para as docas beber uns copos, um para avivar a alegria, outro para apagar tristezas.

 

Mais pelos vapores do que pela convicção, o primo ‘africano’ insistiu na sua ida até Luanda. Mais pelos vapores do que pela convicção, acabou por aceitar e tudo ficou aprazado para Dezembro, época de praia por excelência naquelas paragens do globo.

 

O maior obstáculo centralizava-se na indisponibilidade de verba para custeio da viagem e foi com alguma vergonha e grande dificuldade que colocou o assunto ao primo. Este, sem uma palavra, alçou da caneta de marca, de tinta permanente e aparo de ouro, e passou-lhe um cheque de choruda quantia.

 

Dezembro depressa chegou.

 

Indivíduo organizado, Madaleno Amélia consultou o seu “dossier” Segurança Social para verificar em que circunstâncias se poderia ausentar sem ferir qualquer lei ou preceito. E lá constava, na lista de “Deveres dos Beneficiários” que lhe havia sido distribuida pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, entre outros, “ comunicar a data em que se ausenta de território nacional”.

 

Em letra bem desenhada, a azul marinho que a Bic Cristal lhe proporcionava, Madaleno Amélia, cumpridor compulsivo, caligrafou:

 

“… no âmbito dos meus deveres para com esse Centro, venho comunicar que estarei ausente de território nacional entre 14 e 29 de Dezembro do ano em curso…”

 

Dias antes tinha ido à embaixada regularizar a papelada para a viagem, acto que até se tornou fácil uma vez que ia dirigido a um amigo do primo, que até era 1º Secretário.

 

Sair de Lisboa com nove graus, chuva morrinhenta e algum nevoeiro, e desembarcar em Luanda com sol aberto e vinte e nove graus, é choque valente. Maior, ainda, foi a surpresa do odor que no ar pairava, doce e envolvente. Começou a gostar.

 

No seu ‘jipão’ Mercedes, o primo, naquele fim de tarde de sexta-feira, 16 de Dezembro de 2005, ia explicando a Madaleno os diversos locais pelos quais passavam, até chegarem à residência, sita na zona que já nos tempos do colonialismo era conhecida por Vila Clotilde, bairro quase todo ele de vivendas de dois pisos que ainda conservavam alguma dignidade.

 

Ficou instalado no rés-do-chão, num quarto com ar condicionado, paredes meias com o do primo, com casa de banho ao fundo do corredor.

 

– Arruma lá as ‘bikuatas’ e vamos jantar. – Reclamava o primo com entusiasmo.

– Não tenho apetite.

– Isso cura-se, não te chateies. Em tua honra mandei preparar uma funjada de peixe seco que, quando a provares, até vais estalar os dedos.

– Que é isso?… Fum quê?

– Foi prato medalha de ouro, este ano, em Madrid.

– Vocês têm restaurante em Madrid?

– Não… ainda não… quando há concursos, estamos quase sempre presentes… não encontras em toda a África melhor restaurante que o nosso… carnes da América do Sul, frutas da África do Sul, bebidas de todo o mundo, peixes e mariscos angolanos… sabes qual é o prato mais caro que temos?…

– …

– Bacalhau, pá!Custa quase o dobro de um prato de lagosta…

– Dá p’ra tomar um duche? Tenho a roupa colada ao corpo…

– Claro. Tens toalhas na primeira gaveta… as tuas são verdes com riscas brancas, para que não digas que fiquei com rancores por causa da Taça.

 

Riram a bom rir.

 

– Entretanto, vou para o escritório. Quando estiveres preparado, só tens que atravessar a avenida. O restaurante é mesmo em frente. Está um preto fardado à porta que gosta que o tratem por Zulu porque, segundo ele, quando a gripe das aves atacar em força, vai vitimar as pessoas por ordem alfabética.

-‘Tás a gozar comigo!…

– Não estou não!… Só tens que perguntar por mim.

 

Com o jacto de água tépida a bater-lhe em cheio no corpo, Madaleno cogitava acerca dos últimos acontecimentos. Corria tudo tão depressa. E bem. O primo parecia o dono daquilo. Também lhe notou um tique nos gestos…

 

– Será este cabrão paneleiro?… Olha p’ró qu’eu estava guardado!… Que eu saiba, apesar do Amélia, não há antecedentes na família.

 

Vinte minutos mais tarde, se tanto, encarou com Zulu, inquirindo:

 

– Procuro o senhor Anselmo Amélia.

– Ah! É o primo. Aqui tratámo-lo por AA. Queira seguir-me, por favor.

 

O primo estava sentado numa dispendiosa cadeira de executivo, atrás de uma enorme secretária de mogno, numa sala forrada a livros, revistas, jornais, cedês e tudo o mais que respeitasse a restauração. Levantou-se, dispensou os serviços de Zulu com um gesto e conduziu o estupefacto Madaleno para uma sala contígua à sua, não tão luxuosa e ampla, onde se encontrava a Sónia, sua secretária pessoal, uma negra de olhos enormes e muito brilhantes, esverdeados, cabelo curtinho, carapinha, calças e t-shirt justas, fazendo realçar os dotes de quem parecia ser uma diva, sorriso franco, perfume estonteante.

 

– Encantada por conhecê-lo, senhor Madaleno. Espero que a sua estada em Angola possa ser do seu inteiro agrado. Faremos tudo para que isso suceda.

 

– Foda-se! – Pensou Madaleno. – Tirem-me daqui! Eu não pertenço a este circo, porra!

 

Agradeceu, algo titubeante, o que mereceu um dos sorrisos mais compreensivos e encantadores que Sónia já distribuira.

 

Começava a sentir-se pequeno, como se subsídio fosse ele.

 

Em seguida, o primo conduziu-o numa visita guiada pelos diversos sectores que constituiam o restaurante, incluindo a cozinha, onde conheceu a chefe de cozinha, dona Conceição medalha de ouro em Madrid, uma senhora em cima dos cinquenta, muito jovial, nada em Rio Tinto, que logo engraçou com Madaleno.

 

O senhor Costa, o patrão, fazia a sua vida na metade norte do 1º piso, cujo acesso se processava através de porta blindada e a coberto de cartão que só Anselmo e a patroa possuiam.

 

– Senhor Costa… peço desculpa… é só para lhe apresentar o meu primo que veio do ‘Puto’…

 

Madaleno ficou siderado. Comparado com o escritório do primo, o do patrão parecia uma enxovia: um cubículo estreito, mobílias velhas e, em cima da secretária, um balde com gelo, uma garrafa de whisky meio cheia, dois copos meio vazios, meia dúzia de estatuetas do que lhe pareceu marfim e um interlocutor loiro – holandês? -. Apeteceu-lhe beliscar-se para saber se era ele quem realmente ali estava.

 

– Senhor Madaleno, quanto prazer… nem preciso preocupar-me porque tenho a certeza que está nas mãos perfeitas… o patrão não sou eu, é o Anselmo. Goze tudo com afinco e se eu lhe puder ser útil, conte comigo…

 

– S… S… Senhor Costa… agradeço… acabei de chegar… provavelmente interrompi assunto importante…

 

– Nem pense nisso, meu caro. Este boche está a querer impingir-me isto – e apontava para as estatuetas – como se tratasse de marfim, quando não passa de osso de pacaça, ou coisa que o valha. Vou já despachá-lo!… Não se preocupe que ele só sabe inglês.

 

– Janta connosco, senhor Costa?

 

-Não, não, Anselmo. Fico por aqui. Que me mandem um snack. Vão à vossa vida e trata o teu primo como merece! Ele já conhece a Conceição?

 

E, virando-se para Madaleno:

 

Cuidado! A Conceição não pode ver galo novo por aí!… Em contrapartida, terá direito aos melhores petiscos… não sei se compensa.

 

Riu alto e todos fizeram coro.

 

– No meio desta treta toda, não passo de um subsídio! Foda-se!… Ao menos, divertámo-nos.

 

Eram já mais de oito e meia quando se sentaram para jantar no reservado do Anselmo, aposento separado dos demais clientes e com empregado exclusivo. O primo apresentou-lhe a namorada, uma dinamarquesa loiríssima, tendendo para o gordito, simpática e muito faladora, embora mal arranhasse o português. Chamava-se Ingrid. Sónia surgiu pouco depois.

 

Façamos uma pausa e situemo-nos, porra! Não é verdade que estejamos a 16 de Dezembro de 2005. Hoje ainda é 21 de Outubro. Está um dia de merda, chuvoso, ventoso e nevoento. E eu aqui, de lápis em riste, tentando saída airosa para tanta prosa de merda, cigarro após cigarro. E não estamos em Luanda. Estou na Amadora, aqui no alto do meu oitavo, de onde nem sequer consigo divisar Monsanto, ao contrário do habitual, o que quer dizer que me encontro de horizontes curtos. Curtos em todos os sentidos, claro. Aqui não existe Madaleno, nem Anselmo, nem… não?…

 

Tanto Ingrid como Sónia andariam por volta dos trinta. Anselmo era sete ou oito anos mais velho que Madaleno, o que significa que já morava na casa dos cinquenta. Em determinado momento pareceu a Madaleno que Ingrid o procurava com o olhar, mas absteve-se de prosperar nessa pista.

 

Dois toques secos na porta do reservado anunciaram a chegada do prato principal. A própria dona Conceição seguia a empregada que trazia o pitéu e fez ela própria questão de servir os circunstantes começando por Madaleno, não sem antes distribuir olhares de desdém pelas fêmeas presentes, as últimas a serem servidas, o que, convenhamos, contrariava a etiqueta.

 

Madaleno, esse, já só pensava em vale de lençóis de tanto corropio em menos de vinte e quatro horas, mas o cheiro, senhores, o odor que emanava da travessa aliado ao pormenor de nada meter no estômago desde há longas horas espevitou-lhe as papilas gustativas de tal modo que quase se babava, e, dando de barato o excesso de picante, a que não estava habituado, atirou-se ao guisado com afinco, repetindo, até, bem regado por um Cabeça de Burro de 1998. No fim, sentia-se que nem papas.

 

Por entre mil desculpas, pediu para retirar-se, com o complacente e compreensivo assentimento dos companheiros de jornada. Antes, já tinham combinado uma visita ao Mussungo para o dia seguinte. O senhor Costa era aí dono de um belíssimo bangaló.

 

Atirou-se para cima da cama rosnando para consigo mesmo. “estás mesmo velho, meu cabrão! As gajas ali a pedirem, e tu nada, meu merdas! Adormeceu quase instantaneamente. Teve pesadelos relacionados com a papelada da Segurança Social e do Instituto do Emprego, acordando alagado e acompanhado. Sónia estava a seu lado e dormia um sono solto. Eram quase cinco da manhã. Levantou-se e mergulhou sob o chuveiro.

 

Nu diante do espelho, viu surgir Sónia ensonada, que o abraçou por detrás, esfregando o nariz nas suas costas. O pénis deu um salto.

 

– Não cortes a barba… és mais belo assim!

 

O pénis cresceu.

 

– Cheiras tão bem… vamos p’rá cama!

 

Sónia fez de tudo e até conseguiu um orgasmo, mas obter que Madaleno se viesse foi tempo perdido.

 

E como era bela: enxuta, pele brilhante, gestos calmos e carinhosos, pequenos gritos de incitamento, vulva volumosa…

 

– Desculpa… nunca me aconteceu… deve ser do fuso…

– Não te preocupes… o dia ainda vai nascer… – e rindo – e crescer.

 

Acometeu-o de novo a ideia de constituir apenas um subsídio dos acontecimentos. Impotente, ainda por cima! Um subsídio impotente?… Foda-se!

 

A viagem até à Ilha do Mussulo processou-se rapidamente. O primo tinha muitos conhecimentos e nem sequer parou no controlo de saídas e entradas da cidade. Um barquito de borracha, com motor, aguardava-os. O calor começava a atormentar Madaleno, mais por causa da transpiração. Queira Deus que não me aconteça uma dessas doenças tropicais, porra! Até tive o cuidado de ir ao Egas Moniz para ver se estava tudo em dia. Ao desembarcarem, Anselmo reparou na ‘má cara’ do primo.

 

– Ei, primo, ‘tás mal disposto?

– Não… sei lá, pá! Estou a sentir uns arrepios esquisitos.

– Não me digas que mal chegas, apanhas logo paludismo. Já vamos tratar disso.

 

Instalaram-se numa bela vivenda de madeira com ampla varanda virada ao mar, protegida por rede impeditiva de entrada de insectos. Anselmo efectuou uns telefonemas e não demorou dez minutos para que uma velha negra chegasse com um bule. Nessa altura já Madaleno estava na cama, lavado em suores.

 

– Tomas esta infusão – anunciava-lhe o primo – e ficas bom em menos de duas horas. Eu vou dar um mergulho… vocês querem vir, meninas? A Santa trata do paciente… isso já passa.

 

As mulheres, por uma questão de cortesia, ficaram. Tronco nu e toalha aos ombros, Anselmo andou trinta metros, se tanto, para chegar ao Atlântico. Após umas revigorantes braçadas a solo, foi colocar-se no local onde as ondas rebentavam, juntando-se a amigos e amigas.

 

De regresso à areia, falou do primo aos amigos, da sua ‘doença’ pelo Vitória e até houve um velho negro que se lembrava do Jota Jota (Jacinto João), um futebolista angolano que jogou muitos anos no Vitória de Setúbal, na década de sessenta, comentando com nostalgia:

 

-No tempo do colonialista, também havia coisas boas… mas, esta juventude de agora sabe lá!…

 

Todos ficaram silenciosos excepto um jovem negro, o Alcides, estudante de medicina, em Cuba, que se encontrava em período de férias na terra natal.

 

– Ó velho Coelho, com todo o respeito, todo o colonialismo é mau, e, portanto, todos os colonialistas são uns filhos da mãe!

 

A Joana, a filha da minha vizinha do andar de cima, uma rapariguita dos seus quinze anos, agora deu-lhe para a música clássica. É capaz de estar uma tarde inteira a ouvir Mozart. Também gosto, que diabo, mas em dose menos compacta.

 

E, o que também é verdade, já escrevi mais uma página, mas a narrativa pouco avançou. Sei bem que sou chato e que as gentes de agora gostam do imediatismo nos acontecimentos. Quase nem sabem ler, quanto mais saborear as palavras…

 

Esta foi forte e provocadora.

 

Era quase hora de almoço. Ingrid, Sónia e Madaleno não apareciam. Anselmo resolveu voltar à vivenda e, durante o curto caminho, pensou em pregar-lhes um susto. Aproximou-se em silêncio, subiu os três degraus que o separavam da varanda e começou a ouvir, em surdina, sons languidescentes – e, se a palavra existisse, ‘languissubintes – . Menos de uma dúzia de silenciosos passos adiante, deu com as duas mulheres enroscadas em Madaleno, trio excitadíssimo na prática daquilo que lhe pareceu, sem margem para dúvidas, um autêntico bacanal.

 

Desfechou um murro na porta aberta e todo o mundo ficou estático, corpos nus, arfantes e luzidios, focando-o com surpresa e interrogação. Soltou uma risada nervosa e, sem pensar, deu um pontapé na cadeira mais próxima, o que o fez ganir de dor, pois esquecera-se que estava descalço. Virou costas e ausentou-se até quase à noite. Quando regressou, pé empanado e uma pequena tala de metal a amparar-lhe o dedo grande, até parece que vinha bem humorado.

 

– Ei, primo ‘tuga’, para quem estava com um ataque de paludismo!…A Santa deve ter-te dado pau-de-Cabinda, ou melhor, deve ter-te ministrado dois-em-um.

– Bem… quer dizer…eu…

– Não precisas de justificações. Acabou. Como dizia o outro, no aproveitar é que está o ganho. Vamos à vida! Esta noite, os Cerqueira, que têm casa do outro lado da ilha, dão uma festa. Falei-lhes em ti e eles fazem questão de te conhecer. Já te sentes bem? Que pergunta…

– Lindamente, primo, mas… queria pedir desculpa… eu…

– Deixa-te dessas merdas, pá! Depois falamos.

 

Ingrid e Sónia mantiveram-se em silêncio durante o diálogo e, no fim, trocaram um olhar cúmplice.

Anselmo recusou-se a ir à festa dos Cerqueira. As dores atormentavam-no.

 

– Vão vocês, chiça, ai!…A Santa já está a caminho com mais uma poção mágica… se eu melhorar ainda telefono para que me venham buscar… peçam lá desculpa aos Cerqueira…

– Querres que fique? – Questionou Ingrid.

– Nem penses!… Vai e diverte-te As camas da casa dos Cerqueira têm melhores colchões que estes… não me mates o primo.

 

Todos riram. Os três saíram. Cruzaram-se com a velha Santa, de bule entre mãos. Sandálias, calções e t-shirts constituiam a indumentária. Enquanto caminhavam, iam conversando sobre banalidades, de mãos dadas, ele no meio.

 

Os Cerqueira faziam um par encantador. Talvez um pouco acima dos sessenta, tinham sobrevivido à época difícil que atravessou a independência e aos anos de guerra civil seguintes, para surgirem actualmente como proprietários de uma pequena, mas próspera, frota de pesca. Duas filhas, uma com trinta e um e outra com trinta e sete, completavam o círculo familiar. As ‘miudas’ eram tão ou mais simpáticas que os pais, morenas ambas, olhos rasgados. Solteironas, viviam em Lisboa, mas, de momento, tinham vindo passar a quadra a casa paterna.

 

Foi longa e divertida a noite. Quando regressaram, já depois das seis, encontraram Anselmo dormindo pesadamente. As duas mulheres trocaram o mesmo olhar cúmplice. Após um banho retemperador, Madaleno deitou-se de costas fitando o tecto e reflectindo acerca de tudo o que havia vivido nos últimos dias. Sónia veio deitar-se a seu lado, mas não mais que isso. Adormeceu e voltou a ter pesadelos com a papelada da Segurança Social.

 

– P’ra mim – dizia um dos presentes no Centro de Emprego – só há duas espécies de funcionários: os que pensam e agem devagar e os que pensam e agem ainda mais devagar.

 

Apeteceu-lhe intervir, dizer que não era bem assim, contar-lhe o seu caso e a eficiência com que começaram a saldar-lhe o subsídio, mas, na sua pacatez do costume, absteve-se.

 

Acordou sobressaltado, abanado não soube bem por quem.

 

– Anselmo morreu! – Exclamava, aflita, Ingrid.

 

Soergueu-se apoiado nos cotovelos e abanou a cabeça. O primo morto?!…Como?…

 

Santa nunca gostara de Anselmo, sempre a dar ordens aos pretos, sempre a mandar vir com os pretos, um colonialista da pior espécie. Envenenara-o. Ao fim e ao cabo, era velha e já pouco ou nada esperava da vida. Uma vida muito ingrata, sempre ao dispor daquela dona Aurélia, progenitora de Anselmo, e agora às ordens do filho. Antes morrer! Mas… eles à frente!

De regresso à cidade, compungidos, eram aguardados por um senhor Costra todo vestido de branco, calmíssimo. Depois das ‘démarches’ da praxe, o senhor Costa, sentado no lugar onde habitualmente se colocava Anselmo, encarou o trio, ainda em calções e sandálias.

 

Dir-se-ia que ninguém sentia muito a falta do primo. Ele próprio, Madaleno, parecia passar ao lado da tragédia.

 

– Meus caros, – começou o senhor Costa – vou ser breve: perdemos um elemento muito importante na equipa que dirige esta organização, mas estou certo de que vamos ser capazes de sair por cima. Ao senhor Madaleno peço que, tão cedo quanto possível, regresse a Portugal e procure esquecer esta breve e desagradável passagem por Angola; dar-lhe-ei notícias. Ingrid, se preferir, pode ficar entre nós; a seu tempo encontrarei tarefa que lhe convenha. Sónia, a partir deste momento, ocupará o lugar onde me sento.

 

Sónia conduziu Madaleno ao aeroporto. Sentados, aguardavam a chamada, olhos de um postos nos do outro.

 

– Porque é que no fim, branco e preto têm sempre que ir um p’ra cada lado? – Clamava Sónia.

– A minha presença na tua vida só iria criar problemas, ainda mais agora.

– Não digas asneiras… diz que me amas…

– E p’ra que serve amar?… Estragar-te-ia a carreira…

 

Ouviu-se um estalo. Os passageiros mais próximos olharam todos em simultâneo, a tempo de verem cinco dedos marcados na face de Madaleno.

 

Com toda a calma do mundo, Madaleno puxou-a para si e, alheado do alarido que entretanto se fora gerando, beijou-a longamente.

 

Voo 985 com destino a Lisboa! Porta de embarque 17. Última chamada.

 

Às seis da manhã de 29 de Dezembro, Lisboa era uma cidade sorumbática. Os jornais continuavam a falar da gripe das aves, das presidenciais e do futebol.

 

– Que saudades do amanhã! – balbuciou, algo pessoanamente.

 

Em Setúbal, para além dos temas de índole geral, falava-se da calamitosa situação financeira do Vitória de Setúbal e da provável queima de resíduos tóxicos no Outão.

 

– Isto é um país de más notícias! – Pensou.

 

Os próximos dias gastou-os em arrumar a casa, alterando a disposição de alguns móveis, e em organizar as ideias um tanto baralhadas devido aos últimos acontecimentos. Passou o fim-de-ano em casa, comendo nozes, ouvindo música e bebendo um bom vinho da região

 

Na terça, 3 de Janeiro de 2006, dirigiu-se ao multibanco para levantar dinheiro e reparou que o subsídio de desemprego não lhe havia sido creditado. Estranhou, pois os ‘gajos’ costumam ser tão certinhos. A cada dia 29, lá estava o seu subsídio. Telefonou a alguns companheiros nas mesmas condições de desemprego e confirmou que todos eles haviam recebido o subsídio. Alarmou-se um pouco.

 

No dia imediato, bem cedo, nervoso, encaminhou os passos para a Segurança Social. Ocupou o sétimo lugar na fila. Quando chegou a sua vez, expôs metodicamente o seu caso. A funcionária solicitou-lhe a apresentação do cartão emitido pela Segurança Social, digitou o número no teclado e esclareceu-o com um sorriso:

 

– O senhor está fora do país.

 

Por momentos, nem sequer foi capaz de esboçar qualquer reacção. Logo recuperado, retrucou:

 

– Mas minha senhora, eu sou eu e estou aqui.

– Para os ‘Serviços’ não está. Tem que se apresentar.

– Mas eu estou a apresentar-me. Além disso, escrevi uma carta que diz, textualmente…

 

E estendeu-a à funcionária. Evitando o documento, a senhora insistia:

 

– Tem que apresentar-se, mas não é aqui.É no Instituto do Emprego.

– Mas então, o original desta carta serviu para me cortarem o subsídio e não serve para o reactivar. Repare, eu balizei a minha ausência no tempo…

– Pode argumentar o que entender, mas é como lhe digo que tem que proceder… e, já agora, escreva uma carta aos Serviços Centrais enviando cópia do seu passaporte com os carimbos de entrada e saída do país onde esteve.

 

Prevenido, também levava o passaporte consigo.

 

– Repare, minha senhora, eu posso fazer isso que me diz, mas se eu tirar fotocópia da página do passaporte que me identifica e pedir a alguém uma fotocópia da página de outro passaporte com o registo de uma ausência, o que é que isso prova?

– Meu caro senhor: vá ao Instituto do Emprego apresentar-se e agora, por favor, dê lugar ao utente seguinte.

 

Saiu dali furibundo e com as ideias ainda mais baralhadas. Então, se não me apresentar pessoalmente, não existo? Mas que merda de país é este? P’ra me cortarem o subsídio, serviu o texto da carta e para mo reporem já não serve. Isto é gozar com as pessoas, porra! Terceiro mundo?… É pouco!

 

Na manhã seguinte, cedo, apresentou-se no Instituto do Emprego. Era o quarto. Saiu-lhe outra vez na rifa a senhora do tabaco, mais gorda, cada vez com mais tosse.

 

– Ah! Pois é! – Argumentava – Se o senhor não viesse cá, quem é que sabia que já cá estava?

– Mas a minha carta determina o período de ausência…

– Não importa… vou passar-lhe uma guia para a reactivação do pagamento do subsídio, que o senhor entregará na Segurança Social.

– E depois?…

– Depois, nada! Aguarde.

 

Ainda tentou ser atendido nesse dia na Segurança Social, mas eram tantas as pessoas a aguardar vez que desistiu. Cedíssimo na manhã seguinte, Madaleno estava na fila e já era o sexto. Quando chegou a sua vez, só teve que preencher um papelucho que atestou a entrega da guia passada pelo Instituto do Emprego.

 

– E agora? – Questionou.

– Agora, nada! Aguarda.

 

Hoje Madaleno aguarda. Continua solteiro, amante do ‘Vitórria’, anti-tabagista, mas já não vê a burocracia com os mesmos olhos. Ah! Parece que prossegue virgem.

 

Não montes égua da qual não saibas descer.

CURSO INTENSIVO DE TRETAS DE MERDA – A expulsão

Fevereiro 13, 2011

Actualmente, faz parte da civilização ocidental

resolver os problemas através do diálogo,

não por cedência, mas por evidência.”

 

Adriano Moreira (professor)

 

 

Faço parte de um grupo de risco: tenho mais de quarenta e cinco, fumo, tenho colesterol elevado e hipertensão. Além disso, vivo no país mais atrasado dos vinte e cinco e sou professor numa escola secundária situada no interior norte, com turmas atafulhadas de alunos de diferentes origens e idades.

 

Neste momento tenho entre mãos o assunto relacionado com a proposta de expulsão de uma aluna que frequenta o 10º Ano, tem dezasseis anos, já excedeu as faltas permitidas por lei e apresenta um sistemático comportamento desviante relativamente às normas pelas quais a escola se rege.

 

Preparar o processo conducente à expulsão, todavia, é tarefa árdua, que requer argumentos convincentes e a presença de várias pessoas responsáveis por diferentes sectores da escola. Uma estucha, diria Eça. Essa digo eu também.

 

Enquanto pensava no caso, sentado na sala de professores, com a bica numa das mãos e o cigarro na outra, apareceu o Joaquim Piedade, um colega, pior que estragado ao tomar conhecimento de que a sua proposta de rejeição definitiva de um outro aluno nas condições semelhantes àquelas que sumariamente descrevi para aqueloutra aluna, fora indeferida pelo Ministério.

 

A meu pedido, aceitou ceder-me uma cópia da acta que elaborara com a sua proposta, à qual acedi no dia imediato. Em termos simples, o Piedade havia composto um texto que, de tão transparente evidência, não deixava, a meu ver, margem para que quem quer que fosse a tomar decisões, o não fizesse a favor da expulsão.

 

Reflecti sobre o assunto e, nessa noite, até experimentei insónias: a Ministra, à boa maneira salazarista, esgrimia uma cana por sobre as cabeças dos professores e pronunciava um discurso inflamadíssimo acusando-nos de todos os insucessos dos ‘pobres’ dos alunos.

 

– O.K. – disse um meu eu mauzinho para outro ainda pior – vamos a isto.

 

Preparei um documento para apresentar na reunião que estava programada para análise do caso e ei-lo, que vo-lo transcrevo, após ter sido lido e aprovado sem quaisquer reticências por todos os meus eus.

 

Ponto exclusivo da reunião: análise da situação escolar da aluna Ana dos Prazeres de Busto Esvelto e Aprumo Feliz.

 

Adindo substância ao tema colocado em agenda, vocábulo que em Latim significa “coisas que devem ser feitas”, encetaremos a nossa exposição acerca do ponto único da decorrente reunião pelos prolegómenos, como, aliás, convém, para citar que o Director de Turma deu como aberta a sessão colocando de imediato em evidência o fecundo e panópiro leque de iniciativas levadas a efeito até à presente data, tendo como objectivo intrínseco e inalienável a integral adaptação de Aprumo Feliz, aluna, a qual, apesar do completo e absoluto conhecimento das normas pelas quais devem reger-se os discentes nas condições de não abrangência pela escolaridade obrigatória, insistiu em exibir uma postura de radical renúncia ao indispensável dever de assiduidade, atitude de tal modo obstinada, mesmo pertinace, que teve como irreparável consequência, em vagas paulatinamente consecutivas, a carência da correspondente vontade intelectual e, bem assim, a dificiente atitude comportamental que, em última análise, conduziu a que tivesse optado por uma via em linha desviante relativamente àquela que esta escola defende para sucesso no processo ensino/aprendizagem. Assim, quando peremptória e geiamente entende não dever cumprir o horário lectivo, envida por uma atitude que compulsamos de periclínio e que se acha sob a alçada da alínea b) do artigo 22º, da Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro, por não ter justificado as faltas que em excesso cometeu na disciplina de Chinamarquês, a partir de sete de Agosto de 2009.

 

Hemos de convir que, alertada em tempo útil e oportuno pelo Director de Turma, a Progenitora e Encarregada de Educação de Aprumo Feliz não se coibiu em manifestar-se aberta “ab initio” em tomar parte num labor devidamente planeado pelos docentes, naturalmente adentro das suas possibilidades, nos variadíssimos passos que dão corpo às vias pedagógicas pré-determinadas, as quais, aprioristicamente, estão consideradas adequadas como contributo para o sucesso das metas educativas da discente. Ante a repetência da continuidade do desinteresse da filha relativamente ao acto escolar e intuindo incapacidade para alterar o rumo que os acontecimentos traçaram, recusou, no derradeiro contacto com a escola, qualquer justificação das faltas, alicerçando a sua opinião na crença definitiva e radicalmente expressa de que, a partir de dado momento, qualquer declaração, mesmo verosímil mas inverdadeira, não cometeria qualquer contributo para a assumpção de novos e repentinos princípios conducentes ao êxito imediato, já que, frise-se, do perfil da discente se evidencia como item mais específico o não controlo e continuado desdém pelas actividades estudantis. Em síntese, ao condescender em apresentar qualquer documento justificativo, a Progenitora colocar-se-ia numa posição de cúmplice activa, dando azo à multiplicação de valores obnóxios, não consentâneos com os princípios de conduta familiares desde antanho.

 

Ante os factos e depois de sopesada toda a panóplia de informações cedidas pelos professores, quer considerando as distintas disciplinas, quer levando em linha de conta as áreas curriculares não disciplinares, conclui-se pelo inquestionável e preocupante desvio entre as metas traçadas e as aprendizagens retidas, pelo que, reiterando com veemência que o principal impedimento ao desenvolvimento das competências da discente radicou no comportamento assumido, polvilhado pelo quase completo desinteresse e pontilhado por ausências, o colectivo do Conselho de Turma, na esteira do mencionado no Diploma a que já se fez referência, propõe, por unanimidade, a exclusão da aluna.

 

Nada mais havendo a tratar, a presente acta foi lida e assinada, dando-se por encerrada a sessão.

 

Visto em 11 de Agosto de 2009.

O Presidente da Reunião: Jacinto Frenicoques.

O Secretário: Euclides Múmia.

O Presidente do Conselho Directivo: Augusto Otário.

 

Espero bem que a Ministra, ao tomar conhecimento do presente documento, me expulse, pois bem preciso de me ver livre desta fauna.

 

 

Descansa corpo e não penses!…

Quem há-de pensar é a quem tu deves.”

 

Zé Conacha, iminente Limiano,

devedor compulsivo.

CURSO INTENSIVO DE TRETAS DE MERDA – O Deputado.

Janeiro 18, 2011

Ser deputado está a ser muito bom. Muito tabalho?

Quem quiser, fá-lo, mas quem não quiser fazer nada

também passa despercebido, sem problema.”

 

A frase que acabei de transcrever constitui a resposta de Nuno da Câmara Pereira a uma questão colocada por um jornalista. Relembro que o autor daquela estulta frase, para além de ‘cantista’ de fado muito conhecido nesta pobre praça, foi eleito, em Fevereiro transacto, deputado da Assembleia da República.

 

Permitam-me que vos avive um pouco a memória, sem que, com isso, pretenda provocar seja quem for, mas, tão somente, actualizar valores, sim, porque, ao fim e ao cabo, do que esta peça trata é de valores:actualmente, um deputado com assento – alguns têm assento e acento, como é o caso vertente – na Assembleia da República aufere, como mínimo, 3600 euros/mês, afora as alcavalas.

 

Acresce que, ao fim de doze anos de mandato, o ‘nosso’ deputado pode requerer a reforma por inteiro.

 

O comum dos mortais neste país não só não ganha 3600 euros/mês, longe disso, como, para se reformar ‘por inteiro’ necessita de 40 anos de actividade profissional e, no mínimo (agora), 65 anos de idade.

 

Coloquei uma chamada de atenção na ‘reforma por inteiro’ porque, como é do vosso conhecimento, o máximo que um trabalhador comum consegue nunca vai além dos 80% do vencimento, despido este de quaisquer outros subsídios a que possa ter tido direito durante o normal período de labor.

 

A frase de abertura representa, de facto, um monumento que nos revela variadíssimas faces, assim como se se tratasse de uma pintura Cubista em que a nitidez de determinados pormenores nos atrapalha a visão relativamente a outros mais obscuros, quiçá mais importantes, que apenas conseguimos descortinar durante brevíssimos segundos, para logo se misturarem com outros elementos que nos conduzem de imediato para linhas de pensamento distintas das iniciais.

 

Para mim, o desabafo do fadista é um cristal transparente e puríssimo, poema em redondilha maior de fado boémio corrido, saltitante, espumoso de feliz contentamento.

 

Já a resposta do deputado é coisa séria que merece alguma análise, ainda que não exaustiva. Vejamos:terá sido o deputado inocente? Ou distraído? Ou hipócrita? Ou agressivo? Ou provocador? Ou, ou, ou…

Não há inocentes na política! Não entra na política – neste nível da política – quem quer, mas, apenas, aquele que garante votos ou que representa um potencial de garantia de votos para determinada cor partidária e para identificada causa. Logo…

 

Só se estava distraído. Mas então, andamos todos distraídos, porque não li nem ouvi quem quer que fosse, político ou não (os políticos, mesmo de outros partidos, muito menos, evidentemente) a comentar aquela insofismável verdade. Ora, se andamos (quase) todos nas nuvens, quem quer que seja pode vomitar as atoardas que muito bem entender porque ningém – ninguém importante ou decisivo –lhe vai à mão. Fica, deste modo, aquele deputado impune e, se calhar, inimputável.

 

Hipócrita? Lembro-me muito bem de um calorento dia de verão, após umas migas alentejanas genuínas lentamente deglutidas ‘in loco’, regadas a preceito com um tinto cuja graduação… valha-me Frei Bartolomeu do Dó, debatermos filosoficamente(?) o tema ‘hipocrisia’, e querem saber qual foi a síntese de tão aturado e profundo debate? Pois tomem nota: somos todos uns hipócritas.

 

Ou agressivo? De certa maneira, se atendermos ao modo como a resposta foi apresentada, podia até ser interpretada como reacção menos calculista a uma questão colocada por um desses reporteres-caça-sensacionalismos e interpretada pelo entrevistado como uma impertinência. Mas não me parece…

 

Talvez uma mescla de provocação e agressividade, sim, porque, não é necessário utilizar um vocabulário agressivo para causar a mais pura das provocações. Neste caso concreto, quanto a mim, trata-se de uma provocação implosiva, isto é, a resposta do ‘nosso’ deputado atinge em cheio todo o hemiciclo, provocando, inclusive, danos colaterais fáceis de identificar.

 

Finalmente –talvez o mais provável – a gravação que o jornalista obteve era de má qualidade ou a resposta foi deliberadamente retirada de determinado contexto no intuito de induzir o leitor a interpretações que nem por sombras haviam perpassado pela mente do deputado, e, como consequência, o caso será, eventualmente, entregue à justiça que, provavelmente, ainda durante esta década se debruçará sobre o assunto.

 

Ou, como afirmou António Barreto, “a política portuguesa parece-se cada vez mais com uma actividade delinquente”.

CRÓNICAS DE ESCÁRNIO, FRUSTRAÇÃO E MEDIOCRIDADE – Das notícias que nos impingem.

Janeiro 12, 2011

Parto do princípio de que todos já notámos a forma como a generalidade dos canais nacionais de televisão tratam e nos vendem as notícias, especialmente durante o considerado ‘horário nobre’.

 

A senhora ou o cavalheiro, bem vestidinhos, qualquer deles bem parecido (salvo excepções raras) que vão impor-nos (?) a sua presença pelos próximos sessenta minutos, às vezes mais, surge um pouco antes da hora para nos debitar uma espécie de síntese do que vai ser perorado, obrigando-nos (?) a chupar com o anúncio que verdadeiramente antecede as notícias. Esse e só esse é o objectivo.

 

– Senhores espectadores: El-rei chamou hoje ao Palácio da Bem-Aventurança o Ministro dos Produtos Hortícolas para ser esclarecido a propósito da notícia que ontem adiantámos em primeira mão acerca da hipótese de entrada da espanhola Iberrepollos, SA, no capital da Repolhudos, EP.

 

Metem o tal anúncio seguido da música genérica de introdução ao desenvolvimento das notícias.

 

Abre o noticiário. Começa a senhora, com um sorriso de todo o tamanho:

 

Boa tarde! Este é o Pasquim do Reino dos Paspalhos. Sejam bem-vindos.

 

Depois, entra o cavalheiro:

 

– Como ontem anunciámos em primeira mão, D. Francisco XXIV, conde de S. Bento da Porta Entreaberta e soberano deste país recebeu esta manhã no Palácio onde reside o senhor Ministro dos Produtos Hortícolas, D. Luís de Mascarenhas, Visconde de Vila Nova de Penumbras de Cima, ao que consta, para tomar conhecimento do negócio em curso que dá como presente nos capitais da Repolho, EP, a espanhola Iberrepollos, SA. O negócio tem vindo a ser liderado pelo ex-ministro dos Produtos Hortícolas, que agora é o representante neste reino da Iberrepollo, SA. Mas ( e aqui o locutor torna a sua voz um pouco mais grave) vamos para o local onde se encontra o nosso repórter Isaías Abelhudo.

 

– Então, Belhudo, houve algum avanço?

– Sim, Zé. Há duas horas deu entrada no Palácio da Bem-Aventurança, morada oficial de El-rei, o senhor Ministro dos Produtos Hortícolas para esclarecer Sua Majestade a propósito da notícia que ontem avançámos em primeira mão, da presença da Iberrepollos, SA no capital da nossa Repolhudo, EP. Ao que consta, o negócio está a ser conduzido por um elemento da empresa espanhola que já foi ministro dos Produtos Hortícolas do reino.

– Algum elemento de reportagem?

– Afirmativo, Zé. O ministro foi recebido pelo chefe do Palácio impecavelmente trajado de amarelo e encarnado, às riscas fininhas e transversais. Lembramos que estas são as cores usadas desde há dezanove anos por aquele alto dignitário do reino. O ministro, ao ser questionado acerca da sua chamada à presença do rei, respondeu que não vinha só por causa dos repolhos, mas também tratar das tronchudas, da couve galega, da alface roxa e dos nabos. Vamos pôr no ar esses momentos de reportagem.

 

Seguem-se as imagens da chusma de repórteres a tentar meter o microfone pela garganta abaixo do ministro, o qual, com dificuldade e esforço, lá consegue balbuciar:

 

– Com efeito, Sua Alteza Real solicitou a minha presença aqui no Bem-Aventurança no âmbito da política que está a ser seguida para os produtos hortícolas, em geral. Ao contrário das notícias que foram veiculadas, a minha presença engloba assuntos relacionados, não só com o repolho, mas ainda com a couve roxa, o alho porro, o milho-rei e o nabo.

 

O ministro mete-se no carro sem responder a quaisquer perguntas.

 

– Como reparaste, Zé, houve aqui um ligeiro deslize de nossa parte ao mencionarmos alface roxa quando deveríamos ter dito couve roxa, mas, no essencial, o ministro veio ao Palácio para explicar a presença da Iberrepollos, SA no capital da Repolhudo, EP, como ficou implícito no dircurso.

 

Voltamos ao estúdio.

 

– Caros espectadores, tal como tínhamos avançado ontem em primeira mão e hoje se confirma, El-rei recebeu no Palácio da Bem-Aventurança o ministro dos Produtos Hortícolas para justificar a presença de capitais da Iberrepollo, SA na nossa Repolho, EP. Ao que consta, , o representante da empresa espanhola é o nosso ex-ministro dos Produtos Hortícolas. Voltaremos ao assunto, ainda nesta edição, se surgir qualquer evolução nas negociações e nos contactos. Agora vamos avançar com outras notícias.

 

Passou meia hora. Em menos do que isso, a BBC, a SKY ou a CNN proporcionam-me uma viagem ao universo das notícias. Frustrantemente medíocre, escarneçamos!

CRÓNICAS DE ESCÁRNIO, FRUSTRAÇÃO E MEDIOCRIDADE – Desvios.

Janeiro 8, 2011

Para evitar a quinta lata de atum durante este mês, que até me fez lembrar a merda do tempo da tropa que me obrigaram a inutilizar nas florestas do norte de Angola, decidi ir almoçar ao Desvio.

 

Desvio, é minha convicção, representa muito daquilo que o macho lusitano transporta dentro de si. Claro que não me refiro a um almoço inocente tasquinhado num qualquer restaurante, mas sim àqueles desvios que implicam alguns riscos, mas que o amor próprio impõe que se pratiquem para que, inocentemente, nos sintamos nós mesmos. É como se nos desprendêssemos do vale de lençóis, pela manhã, tomássemos um duche que sempre achamos que nos vai retemperar e, ao encararmos com a imagem que o espelho nos reflecte enquanto passamos um qualquer desodorizante pelos sovacos, exclamamos:

 

Aquele sou eu!

 

Nada de mais falso. Aquele é aquele e eu sou eu! De resto, acho que já vos afirmei em várias ocasiões que, de cada vez que encaro comigo ao espelho, só consigo pensar:

 

– Que bela merda!

 

Mas a merda é ele, não sou eu!

 

Isto é: até admito que seja uma bela merda em certas ocasiões (ninguém está livre disso), mas não sou, definitivamente, a merda que o espelho me devolve.

 

Com toda a clareza, clarividência e paz de espírito, devo declarar-vos: se toda a merda que por aí transita fosse uma merda como eu, provavelmente, nenhum sovaco necessitaria de desodorizar-se.

 

– Ah! Este senhor cheira sempre tão bem!

 

A frase foi da minha ex-colega Clarice, quando me desfechou dois longos e repenicados beijos nas bochechas.

 

Respondi-lhe com a inocência da minha idade:

 

– E isso é só o cheiro!… Quando provar…

 

Não sei a que distância ela está da prova, embora se me afigure que isso é de somenos importância. Até pode acontecer, porque as coisas estão sempre a acontecer, mas, quando acontecer…

 

Tem é que se despachar…

 

Tenho de confessar-vos: sou tímido! Quando a outra parte não abre as “osculidades”, sinto-me tolhido. Até sou capaz de ir até, mas até não é o suficiente. Temo, até, que o até comigo se fine. Que se lixe! Atè lá!

 

– Venha até aqui acima.- Disse-me o arrumador, que conheço de há longos anos. – Há sempre um lugar para o senhor doutor.

 

Meti o carro num excelente local à sombra, neste Julho incandescente. Quase onze da manhã e o mostrador revela-me que passam trinta graus pelo ar.

 

Na minha condição actual, nada se faz apressadamente. Com calma, desapertei o cinto de segurança, premi os botões para fechamento dos vidros (não ligo o ar condicionado porque fumo) e saí do carro abrindo a carteita à procura de uma moeda de euro.

 

– Ó pá, parece que não tenho dinheiro disponível.

– Ó doutor, não há problema! Se precisar de algum…

 

Vi-me outra vez ao espelho. Guardado está o bocado!… Não foi Espanca que escreveu: “até que a voz me doa”? Dei por mim a conjecturar que, de facto, quem mais morre são os inocentes. Até quando?

 

Nada de mais errado. Morremos todos! E não morremos mais nem menos. Morremos, simplesmente.

 

Há uns largos meses paguei-lhe o almoço. Agora não toca em álcool. Desde que fez tratamento no Santa Maria, deixou-se de excessos. Pelo menos, até ver. Falo do arrumador. Ainda bem para ele, mesmo que eu continue a defender a tese de que alguns excessos até são necessários para nos manter vivos, ou, em última instância, para nos liquidarem definitivamente. Até lá, boa viagem!

 

Não gosto que me tratem por doutor. Já disse que não sou doutor. Sou, apenas, um licenciado pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e ainda tenho, num qualquer canto de qualquer gaveta de qualquer carteira que já não uso, o documento que me confere a posse do diploma que paguei e que nunca levantei. Para que quero eu um diploma?

 

Num momento entre duas garfadas e estes pensamentos mal atamancados, dei comigo a magicar:

 

– Porra, meu! Deves andar mesmo em baixo. Até o arrumador se disponibilizou para te emprestar algum.

 

Acho que vou ter que olhar para o espelho com outros olhos de ver.

 

Claro que já conhecem o Rui. Sim, sim, esse mesmo que tem atenções para comigo que não dispensa à maioria dos clientes. Ele disfarça, como se tratasse todos os clientes por igual, como irredutível duriense que é, mas eu até sei destrinçar as diferenças.

 

– Dona Carminda: quarenta gramas de bife para o senhor Benvindo, que não quer que o tratem por doutor.

 

E, virando-se para a minha pessoa:

 

– Ó senhor Benvindo, aqui, todo aquele que não é doutor, ou é engenheiro, ou arquitecto. Imagine que, na semana passada, passou por aqui um trabalhador ucraniano que, por compreensível desconhecimento dos meandros da lusa Língua, mas num meritório esforço para nos copiar, afirmou que era calceteiro marinho. Veja bem! Onde é que aquela alma foi desencantar semelhante designação. Avisei-o logo: a partir de hoje és engenheiro das profundezas marinhas e arredores, que em Francês se diz “alentours”, segundo me disse o meu primo que está lá na Régua e a quem um dia emprestei uma gravata que o meu pai havia herdado do meu avô para ele ir a um casamento. Ele, meu primo, que viveu numa “bidonville” nas cercanias de Paris, nos longínquos anos sessenta, para onde foi a salto e assim se livrou da guerra d’África. Só três meses depois é que a família soube que ele se tinha escapulido quando a minha tia recebeu um postal assinado por Jeff Charles, em vez de Zé Carlos, para que a Pide não desconfiasse…

 

– Rui, ó Rui! – Clamava o patrão. – Há clientes que esperam os teus serviços!

 

E pronto. Lá fiquei eu privado daquele interessantíssimo discurso que fez derivar o meu pensamento para a globalização. De facto, não tarda que todos falemos chinamarquês, ou pior!…

 

E depois, há o gozo. O gozo de que alguns, como eu, desfrutam em rabiscar palavras sobre o papel, às vezes, aparentemente, sem nexo. Devia haver um bocadinho de ditadura que obrigasse todos, sem excepção, a escrever diariamente.

 

Claro que não vou falar do Ministério da Educação. Que o Criador esparja dó em maior quantidade que a água benta que o padre Carlos espargia na missa das dez, aos domingos. Mas se for Ré, ou Mi, também está bem. É tudo música. E que boas sempre me pareceram as meninas do colégio, que cantavam durante a missa. O que é preciso é espargimento.

 

Que bom ter, pelo menos, um dicionário de verbos. Até posso escrever: que o Criador esparja Sol em vez de, tenha Dó.

 

Preparava-me para saír do elevador quando a porta foi puxada antes mesmo de eu a ter empurrado. Era Circe que, sorrindo ao encarar comigo, me fez uma grande festa:

 

– Então como está? A esposa? E o menino?…

– Meu filho! Menino? Fez vinte e oito no pretérito Maio. Veja bem… anjinhos somos nós!

– Então, e namorada? E netos?…

– Netos? Às vezes penso nisso, mas pelo caminho que as coisas levam, acho que vou ser eu a ter que fazê-los.

 

Pois é. Hoje está cientificamente estudado que a maioria dos filhos não arreda pé de casa dos pais até que estes comecem a ficar chéchés. Cama, mesa e roupa lavada… um regalo. Quando me recordo que há cinquenta anos se começava a trabalhar aos dez e aos vinte, quando não antes, já a família começava a constituir-se…

 

A esta distância e com os olhos de ver de hoje em dia, um tipo constituir família aos vinte é, ouso afirmá-lo, um suicídio. Nesse campo houve substanciais progressos.

 

– E a sua menina? E o marido? – Questionei.

– Estamos empatados! Quer experimentar fazer um neto comigo?

CRÓNICAS DE ESCÁRNIO, MEDIOCRIDADE E FRUSTRAÇÃO – Mais um bocado d’augada!

Janeiro 5, 2011

Tòninho era um garoto dos seus cinco anitos, franzinozinho, amarelo que nem um papiro (nunca vi um papiro, devo esclarecer-vos), vivaço, falador, metendo a colher em conversa de adultos sempre que a ocasião se lhe proporcionava. Nesse domingo, porém, durante todo o tempo em que decorreu o almoço, não abriu pio e, além disso, para quem o observava, como eu, passou a refeição atento à circulação dos copos que, com vinho novo, marchavam a caminho das bocas dos mais velhos.

 

Era um dia de primórdios de Outubro e o senhor Justino, progenitor do Tòninho, recebia um casal amigo com os seus dois filhos, em visita previamente combinada.

 

 

O arroz de cabidela, cozinhado com um soberbo exemplar de galaró do campo, estava divino e, por isso, não era de espantar que mais um copo depois do último fosse emborcado.

 

No fim da refeição e como o tempo se mostrava convidativo, foram dar um passeio pelas redondezas, mas, estranhamente, nem se lembraram que o Tòninho e eu ficámos na sala de jantar, sentados à mesa que ninguém levantou. Éramos os mais novos.

 

Escrevo Tòninho com um acento grave para evitar que algum dos leitores tenha a tendência para pronunciar “Tuninho” ou mesmo “Tôninho”. É Tòninho, porque Tòninho sa chamava ele.

 

De resto, ainda não percebi lá muito bem para que serve o Acordo Ortográfico que Portugal celebrou com o Brasil, tendo em atenção que eles, à semelhança dos franceses, utilizam o acento circunflexo para abrir as vogais e nós para as fechar, além de que ainda usam o trema, o qual obriga a pronunciar o “u” que vem a seguir ao “q”, o que, entre nós, há muito caiu em desuso.

 

Um exemplo concreto: o vocábulo “frequência” é escrito em Português do Brasil com um trema sobre o “u”. Outro exemplo: “cómodo” escreve-se em Português do Brasil com um acento circunflexo sobre o primeiro “o”.

 

Deixem os brasileiros escrever o Português deles, falemos nós o nosso.

 

– Ei, Xico, posso escorripichar o copo do meu pai?

– Tòninho, meu amigo, escorripicha lá todos os copos que quiseres!

 

E não é que, com a frase de batalha “mais um bocado d’augada’ que ainda hoje retenho, o Tòninho despejou para dentro do bucho todos os restos de vinho que haviam ficado nos copos.

 

Não ficou por aí, porém. Já animado, acicatou-me, sorridente:

 

– Ei, Xico, bota-me aí mais uns escorropichos nos copos…”mais um bocado d’augada!

 

Entretanto, encostou a cadeira à parede com gestos pouco precisos, olhos brilhantes e riso no primeiro incisivo.

 

Confesso que também estava a divertir-me, adentro da inocência dos meus curtos sete anos. De modo que não tive pejo nenhum em sacar da garrafa e despejar para os diversos copos dois ou três dedos de vinho novo que o Tòninho tragava, estalava a língua e berrava: mais um bocado d’augada!

 

Quando, ao fim de não sei quanto tempo, o Tòninho tentou descer da cadeira, malhou no soalho que nem um pastel de nata com o triplo do peso, e lá ficou, estendido e inerte, para meu completo desespero e sentimento de culpa.

 

Dormiu trinta e seis horas consecutivas, tempo esse durante o qual esteve em coma alcoólico.

 

Agora, sempre que nos encontramos, o que nunca mais aconteceu, mal nos avistamos ao longe, soltamos, em uníssono, o nosso velho grito de batalha: mais um bocado d’augada!

CRÓNICAS DE ESCÁRNIO, MEDIOCRIDADE E FRUSTRAÇÃO – Da escrita, da leitura,e da imagem.

Janeiro 1, 2011

Um dia, já adulto em idade, mas continuando inocente e inculto, questionei a minha avó materna acerca da romaria anual que as gentes faziam ao Monte de Santa Justa.

 

A minha avó materna, mãe de doze filhas e filhos, figura pequenininha, de passos curtos e rápidos, magra, quase escanzelada, olhou para mim do alto dos seus oitenta e tal anos e lançou-me o sorriso mais gaiato que já alguma vez vi no rosto de uma mulher.

 

O sorriso foi a resposta.

 

Quando aos quatro ventos ouço, por isto, por aquilo e por coisa nenhuma, que uma imagem vale por mil palavras, confesso-vos que, para não empregar vocábulo mais contundente, fico espantadamente triste.

 

O meu espanto resulta da decrescente necessidade que as pessoas, na generalidade, sentem em pensar.

 

Para não ser exaustivo, quantas imagens oferece a palavra avó?… E aquele sorriso?…

 

Santa Justa deve estar rindo a bandeiras despregadas.

 

E uns quantos de vocês, provavelmente mais mulheres que homens, também…

 

Nas minhas deambulações pela escrita costumo empregar a expressão de que o leitor deve ousar a leitura com olhos de ver. Não é estar por dentro; é estar dentro e fora ao mesmo tempo. É estar e ser. É estar e não ser. É não estar e ser. Mas ver. Ver sempre!

 

Um vasto leque de homens de Ciência defende que o Universo é um caos organizado. A escrita, é minha convicção, vive e alimenta-se muito desse caos.

 

Nesse universo pretensamente caótico que o texto constitui, o leitor é, digamos assim, um cosmonauta. A obra que tem ante si é a sua nave. O sucesso da viagem depende do relatório que apresenta. E isso, lendo, vê-se. Mas só se vê lendo.

 

Redutor? Só não apreende esse caos quem não consegue ler. Ver, somente, é muito pouco.

CRÓNICAS DE ESCÁRNIO, FRUSTRAÇÃO E MEDIOCRIDADE – Gordos e velhos, feios.

Dezembro 26, 2010

Circula por aí um “outdoor” ( em Português corrente = cartaz) que traz estampado uma gaja que me parece boa como o milho ( para quem gosta muito de milho), com o dedo metido no nariz e com a frase: feio é fumar.

 

Eu vou mais longe: fumar é feio e arruina a saúde. Estraga os dentes (comer e beber, também), provoca cancro nos pulmões, na faringe, na laringe, nos brônquios, nos bronquíolos ( o ar que respiramos, também), aumenta o cansaço, acelera o movimento respiratório, provoca perda de energia, perda de apetite, incluindo o sexual ( a nossa actividade normal diária também; às vezes até origina náuseas ter que lidar com certas pessoas e situações), eu sei lá que mais. Portanto, meus caros amigos fumadores, se não pretendem, como eu, ter uma morte prematura, párem! Mas, por favor, não metam o dedo no nariz. É feio!

 

Esta manhã de Dezembro apresenta um firmamento firmemente nebuloso, cinzento, chato. Voltamos à chatice das camisolas e dos casacos, do calçado para a chuva, mais pesado, o que não ajuda nada a pensar claro, claro. Muito menos àqueles que pensam com os pés.

 

Hoje o meu passeio matinal encaminhou-me para o centro da cidade. Estamos aceleradamente a caminho do Natal e pretendia passar os olhos pelos artigos expostos em algumas montras, uma vez que a quadra se enquadra num período de troca de prendas.

 

Fiquem sabendo que enquanto estou a dar corda aos sapatos, não fumo. São pelo menos sessenta minutos em que não toco em tabaco. Em compensação, antes de me levantar já fumei um ou dois cigarros e após o pequeno-almoço outros tantos. É uma compensação por antecipação, não vá o diabo tecê-las, se é que o diabo tirou algum curso de tear.

 

Trata-se, evidentemente, de um acto de puro egoísmo, uma vez que a meu lado dorme a minha companheira a quem obrigo a respirar aquele ar do quarto que vou poluindo. Infelizmente, também fuma.

 

São dez horas e os transeuntes com os quais me cruzo mostram-se, na sua esmagadora maioria, velhos: aqui, um que leva o neto pela mão (ou será o contrário?), aspecto macilento, olhar meio perdido, sem vontade nenhuma para aturar as traquinices da criança; mais à frente, uma velhota com um saco de compras em cada mão, pesadota, falando sozinha com cara de poucas amigas; um cauteleiro quase cego; um engraxador de sapatos fumando entre cada engraxadela; coxos e coxas (de coxear) amparados a bengalas, uma velha de braço ao peito…

 

Quando ouço que a chamada Terceira Idade é uma fase linda da vida, até o alcatrão do tabaco que tenho depositado nos palmões se agita.

 

Os velhos, com uma ou outra raríssima excepção, são feios, porra!

 

O único velho com elevada apresentação e aprumo que encontrei pelo caminho fui eu próprio. Mas isso deveu-se ao facto de ter desistido de olhar para os vidros das montras, não só por causa dos preços…

 

Às dez da manhã as gajas muito boas, como é sabido, encontram-se a ronronar na alcova, evidentemente. Até parece que estava a ver um daqueles filmes aborrecidos a preto-e-branco. Pelo menos, podia ter-me cruzado com mulheres um pouco menos que muito boas. Népias! Negativo! Zero! Nada! Um deserto.

 

É que nem a Natureza colaborava: montículos de folhas das árvores entupindo os bueiros; ausência de flores nos jardins; merda de cachorro e de pombo por todo o lado, obrigando-me a um zigue-zague constante e perigoso, correndo o risco gravíssimo de, a qualquer momento, poder registar insucesso. Resumindo: uma merda que até podia descambar em desastre.

 

A fase final da minha passeata decorre junto a uma Escola Secundária, perto da qual habito. É a hora do ‘intervalo grande’ e como aos alunos não é permitido fumar dentro das instalações do estabelecimento de ensino, vêm cá para fora aos magotes. Imediatamente estabeleço dois tipos de jovens; os que fumam ( e são muitos) são magros e bem parecidos; os não fumantes são gordos e feios.

 

Entro no cafezinho estrategicamente situado junto à escola e peço a minha dose diária de tabaco ao mesmo tempo que me desvio dos cús gordos das raparigas a alambazarem-se com “hamburgers”, rissóis, pastéis de nata e quejandos e abstenho-me de ser fricativo em relação às ‘bundinhas’ bem desenhadas… parece-me que estou a ficar um velho a roçar o libidinoso… e depois?

 

Como síntese de uma inteira manhã, proclamo: velhos e gordos da minha cidade, sois feiiios!